O preço da má educação
Criado e educado como “bom cristão”, ele aprendeu, – em boas escolas tradicionais e com os mais velhos-, a separar a humanidade em dois grandes e únicos lados; os parecidos conosco, e os outros, pobres, pretos e indígenas, potenciais inimigos ameaçadores de pessoas honestas e merecedoras das graças de Deus, gente do bem que ia aos cultos dominicais, que se emocionava com os sermões, mesmo que logo se esquecesse do que ouviu sem escutar, e que diziam, para se tranquilizar: na prática, a teoria é outra, e que, ao sair dos templos, amaldiçoava os diferentes, pedia a morte para os desiguais.
Embora ele estivesse no Sudoeste da Bahia, o mesmo acontecia em várias partes do Brasil, da América Latina e, por que não?, em Israel e na própria Palestina, em Atlanta, Paris ou no Norte ou no Centro-Oeste do Brasil, onde o ‘progresso econômico’ esteja ameaçado por “gente atrasada” que não saiba extrair da terra o máximo possível de lucro, multiplicar riquezas, integrar-se a esta civilização onde impera o Deus Mercado, “única que valia a pena”.
Acreditando que ele seria de fato o herói de sua terra, recebendo dinheiro via PIX, partira para o ataque, liderando um grupo de fazendeiros e milicianos contratados para expulsar os indígenas e mostrar como se poderia limpar da terra fértil esse povo que não devia ser do bem, pois impedia o progresso da região, ameaçava o futuro do país, segundo sempre lhe disseram. Depois, cuidariam dos Sem Terra e dos Quilombolas, que a lista era longa!
Hoje, numa cela da carceragem, ele talvez não compreenda por que a milionária família da garota, que lhe jurava amor eterno, não queira que ela o veja mais, nem por que os amigos desapareceram, se bem que ele esteja sabendo que alguns estavam temendo o andamento do inquérito. Mas o que mais doeu foi saber que andam dizendo que, se ele atirou, se cometeu este desatino é porque teria uma má índole! Logo ele, que nunca fizera mal a nenhum dos seus parentes ou amigos? Que sempre respeitara as irmãs dos amigos e colegas? E que chegara a espantar, com arma em punho, uma molecada que cheirava fumo na praça?
Por isso seu espanto maior quando se viu trazido até a cadeia num camburão da polícia, algemado e depois indiciado por ter tirado a vida de uma mulher indígena com dois tiros de uma arma do seu próprio pai que o ensinou a atirar! Ele custa a entender por que está sendo abandonado por todos, quase sem acreditar que o prefeito, o deputado da região e até mesmo o senador não possam por ele interceder, para livrar sua cara, ou seja: quebrar este galho que
dizem ter entortado, mas que sempre é totalmente fiel e muito parecido com a árvore adubada com a má educação que fez dele um assassino. Por isso ele se pergunta “onde foi que eu errei? E ninguém lhe responde.
*Humberto de Oliveira, escritor e tradutor.
Editor da Revista Cadernos do Sertão
FH, 25/03/25